Total 90s - XXVII

Neste mês: uma matilha de dedo no gatilho; uma série de correr em direcção ao sofá; uma coboiada contra a corrente e um extraterrestre que já vimos em algum lado.

Filme: ‘Cães Danados’Reservoir Dogs (1992)

Joe Cabot (Lawrence Tierney), um experiente criminoso, reuniu seis bandidos para um grande assalto a uma joalharia mas estes seis homens não sabem nada uns sobre os outros e cada um utiliza uma cor como nome de código. Contudo, o assalto corre mal e são recebidos pela polícia que, durante o tiroteio, mata um dos assaltantes. Três dos elementos da quadrilha fogem para um armazém: Mr. Pink (Steve Buscemi), Mr. White (Harvey Keitel) e um ferido Mr. Orange (Tim Roth). Os três discutem entre si, tentando aferir quem os terá denunciado às autoridades. Cria-se um ambiente de tensão pela dúvida de que um deles é um polícia disfarçado que traiu os outros e a situação agudiza-se quando surge Mr. Blonde (Michael Madsen) com uma surpresa na mala do seu carro.

Quentin Tarantino trabalhava no Video Archives, um clube de vídeo em Manhattan Beach, na Califórnia, e originalmente planeava rodar o filme com os seus amigos e um orçamento de trinta mil dólares em formato preto e branco de 16 mm, com o produtor Lawrence Bender interpretando um polícia no encalce de Mr. Pink. Bender fez chegar o argumento de Tarantino às mãos do conceituado actor Harvey Keitel e este ficou positivamente impressionado o suficiente para juntar-se ao projecto como co-produtor para que Tarantino e Bender tivessem mais facilidade em encontrar financiamento. Com a sua ajuda, eles angariaram um milhão e meio e Keitel pagou ainda para que Tarantino e Bender realizassem sessões de casting em Nova Iorque, onde a dupla encontrou Steve Buscemi, Michael Madsen e Tim Roth.

Começando no meio da história de um roubo de diamantes falhado e talhando uma série de capítulos que introduzem os gangsters à vez, Tarantino inspirou-se num catálogo de filmes sobre assaltos, com o clássico ‘Um Roubo no Hipódromo’ (1956) de Stanley Kubrick à cabeça. Uma característica única de ‘Cães Danados’ é que o roubo propriamente dito nunca é mostrado. Tarantino confessou que a razão para não mostrar o roubo foi inicialmente orçamentária, mas que ele sempre gostara da ideia de não exibi-lo. Ele disse que essa técnica faz com que o espectador perceba que o filme é "sobre outras coisas". Para muitos a voz mais identificativa e excitante a sair dos filmes americanos nos anos 90, Quentin Tarantino anunciou-se com este thriller criminal. Mais pequena em escala do que as suas criações posteriores, a sua primeira longa-metragem inclui os elementos que se tornariam a imagem de marca de Tarantino.

Arrisco dizer que a maioria dos espectadores que viram ‘Cães Danados’ tê-lo-ão assistido já depois de ‘Pulp Fiction’ (1994). Foi assim que sucedeu comigo e compreende-se porque o primeiro filme de Quentin Tarantino foi basicamente um filme independente (o “melhor de sempre” nesta categoria, segundo a revista britânica Empire) quase sem publicidade e só com o sucesso do aclamado segundo filme é que Tarantino passou a ficar sob os holofotes da fama. Adorei o filme logo ao primeiro visionamento (em VHS ou DVD, não me recordo ao certo) mas fiquei sempre com a dúvida se não teria gostado ainda mais se não tivesse visto ‘Pulp Fiction’ antes. É que as marcas do cinema de Tarantino estão ali bem presentes (a violência, o humor negro, as reviravoltas mas especialmente o estilo de diálogo e de narrativa não linear) e teria sido ainda mais surpreendente se ainda não tivesse essas referências presentes.

Série: ‘Os Simpsons’The Simpsons (1989-)

‘Os Simpsons’ é uma série de animação norte-americana criada por Matt Groening para a Fox Broadcasting Company. A série é uma paródia satírica do estilo de vida da classe média dos Estados Unidos e de aspectos da condição humana através da família protagonista, que consiste nos pais Homer e Marge e nos filhos Bart, Lisa e Maggie Simpson, e cujas vidas se passam na fictícia cidade de Springfield. A família foi concebida por Groening após uma solicitação do produtor James L. Brooks para uma série de curtas de animação. Groening elaborou uma família disfuncional e nomeou os personagens como os membros de sua própria família, apenas substituindo o seu nome por Bartholomew (Bart). As curtas tornaram-se parte do programa ‘The Tracey Ullman Show’ em 1987. Após três temporadas, o projecto foi transformado num programa autónomo para o horário nobre, tornando-se a primeira série da Fox a figurar na lista dos 30 programas com maior audiência da temporada televisiva de 1989-1990.

Desde a sua estreia, em 17 de dezembro de 1989, foram exibidos 745 episódios. A trigésima quarta temporada da série começou a ser exibida em 2022. ‘Os Simpsons’ é a série dos Estados Unidos de maior longevidade e o programa de horário nobre há mais tempo em exibição. A passagem para o grande ecrã deu-se em 2007 com ‘Os Simpsons: O Filme’ e este arrecadou mais de meio bilião de dólares em todo o mundo. ‘Os Simpsons’ é amplamente considerada como uma das maiores séries de televisão de todos os tempos. A edição da revista Time publicada em 31 de Dezembro de 1999 classificou a série como a melhor do século XX e em 14 de Janeiro de 2000, a animação foi homenageada com uma estrela na Calçada da Fama de Hollywood, na Califórnia. A série já venceu inúmeros prémios desde a sua estreia, incluindo 31 Primetime Emmy Awards, 30 prémios Annie e um prémio Peabody.

Apesar de ainda assegurar números de audiência respeitáveis, a série que bateu todos os recordes de longevidade já não tem, compreensivelmente, a popularidade de outrora nos dias que correm mas o seu legado definitivamente influenciou a criação de várias sitcoms direccionadas ao público adulto, tanto a nível de animação (‘Beavis and Butt-Head’, ‘South Park’, ‘Family Guy’, ‘King of the Hill’ ou ‘Futurama’, também criada por Groening) como de imagem real (‘Malcolm in the Middle’, ‘The Office’ ou ‘Spaced’). Mais recentemente, ‘Os Simpsons’ ganharam notoriedade por piadas que pareciam prever o futuro. Talvez o exemplo mais famoso venha do episódio ‘Bart to the Future’, que menciona o bilionário Donald Trump tendo sido presidente dos Estados Unidos uma vez. O episódio foi transmitido pela primeira vez em 2000, dezasseis anos antes de Trump ser eleito. Outro episódio, ‘When You Dish Upon a Star’, satirizou a 20th Century Fox como uma divisão da Walt Disney Company. Dezanove anos depois, a Disney compraria a Fox. Outros supostos exemplos supostos como ‘Os Simpsons’ “previram” o futuro incluem a introdução dos smartwatches, a tecnologia de autocorrecção ou o voo espacial de Richard Branson.

Quando em 1991 ‘Os Simpsons’ estrearam em Portugal, em horário nobre no Canal 1 da RTP, eu ainda ligava a desenhos animados, embora já com menos entusiasmo comparativamente ao vivido nos anos 80. Foi também em 1991 que começaram a ser transmitidas as ‘Tartarugas Ninja’, seguramente os últimos desenhos animados de sábado de manhã que acompanhei assiduamente. ‘Os Simpsons’ eram, no entanto, algo bem diferente. Até por serem transmitidos em horário nobre, e quando só existiam dois canais de televisão, permitiam que toda a família estivesse a ver e lembro-me que as peripécias das personagens amarelas faziam rir não só a mim como os meus irmãos mais velhos e mesmo o meu pai. Ao longo dos anos a série mudou algumas vezes de horário e mais tarde passou a ser exibida na RTP 2 mas ficaram na memória os bons tempos passados a ver ‘Os Simpsons’ em família.

Álbum: ‘Ropin' the Wind’ – Garth Brooks (1991)

Garth Brooks é um cantor e compositor norte-americano de música country e o artista a solo com o maior número de discos vendidos no seu país. Segundo dados da Associação Americana da Indústria de Gravação (do inglês Recording Industry Association of America – RIAA), Brooks vendeu 157 milhões de unidades, à frente de Elvis Presley (146) e só atrás a nível absoluto dos Beatles (183). Desde 1989, o músico lançou 23 discos no total, que incluem 13 álbuns de estúdio, dois álbuns ao vivo, três álbuns de compilação e três álbuns de Natal, junto com 77 singles. Com uma sonoridade que integra elementos do pop e do rock no género country, Brooks arrecadou vários prémios na sua carreira, incluindo dois Grammy Awards, 17 American Music Awards (incluindo "Artista dos Anos 90") e o Prémio RIAA de mais discos certificados “diamante” (9) da história da música.

Nascido em Tulsa, no estado de Oklahoma, Troyal Garth Brooks começou a sua carreira cantando e tocando guitarra nos bares e clubes locais. Aos 25 anos foi descoberto por Rod Phelps, advogado especializado em entretenimento, que o aconselhou a mudar-se para Nashville de forma a mais facilmente poder assegurar um contrato discográfico. ‘Garth Brooks’, o disco homónimo de estreia, chegaria em 1989 e foi um sucesso nas tabelas de vendas. A maior parte do álbum era country tradicionalista, influenciado em parte por George Strait. No mesmo ano, Brooks embarcou na sua primeira grande digressão como artista de abertura para a estrela Kenny Rogers. O segundo álbum, ‘No Fences’, foi lançado em 1990 e passou 23 semanas no primeiro lugar da tabela de álbuns country da Billboard. O disco também alcançou a terceira posição na Billboard 200 e tornar-se-ia o álbum mais vendido de Brooks, com vendas domésticas de 17 milhões. Contém a que se tornaria a canção de assinatura de Brooks, o hino de “colarinho azul” ‘Friends in Low Places’, bem como outros singles populares nos Estados Unidos como ‘The Thunder Rolls’ e ‘Unanswered Prayers’.

O terceiro álbum de Brooks, ‘Ropin' the Wind’, foi lançado em setembro de 1991. Teve pedidos antecipados de 4 milhões de cópias e entrou na Billboard 200 em primeiro lugar, uma estreia para um artista country. O conteúdo musical do álbum é uma mistura de country pop e honky-tonk e gerou cinco singles: ‘Rodeo’, ‘What She's Doing Now’, ‘Papa Loved Mama’, ‘The River’ e ‘Shameless’, versão de um original de Billy Joel. Mesmo sem ter sido lançada como single, ‘Against the Grain’, a canção enérgica que abre o disco, também chegou às tabelas. Com vendas certificadas de 14 discos de platina, ‘Ropin’ the Wind tornar-se-ia o segundo álbum mais vendido do músico e impulsionou ainda mais as vendas dos dois primeiros álbuns de Brooks, permitindo que este se tornasse o primeiro artista country com três álbuns listados no top 20 da Billboard 200 em uma semana.

Quando o meu irmão mais velho comprou o CD de ‘Ropin’ the Wind’ e o trouxe para casa, a reacção dos três irmãos foi dominada pelos risos e gargalhadas. A capa com o “desconhecido” Garth Brooks e o seu característico chapéu de cowboy e a primeira faixa acelerada do disco – ‘Against the Grain’ - conquistaram-nos primeiro pelo caricato da coboiada mas logo depois por ser irresistível não ouvir de novo. Eu nunca tinha ouvido nenhum álbum de música country antes e creio que nenhum dos meus manos também não, por isso nunca percebi o que levou o meu irmão mais velho a arriscar neste estilo musical com pouca ou nenhuma expressão em Portugal. Hoje, agradeço tê-lo feito porque ‘Ropin’ the Wind’ tornou-se um dos álbuns dos anos 90 que mais gosto de ouvir. Apesar de não ter ficado propriamente um fã de música country, aprendi a respeitar mais este estilo e a reconhecer, tal como Brooks, que “às vezes temos que ir contra a corrente”.

Videojogo: ‘Michael Jackson's Moonwalker’ (1990)

‘Moonwalker’ é um videojogo baseado no filme do mesmo nome protagonizado pela superestrela pop Michael Jackson. Na obra experimental de 1988, Mr. Big (Joe Pesci) é um poderoso traficante de drogas que coloca em perigo crianças. Para defendê-las, surge Michael na pele de um herói extraterrestre com poderes mágicos. O jogo foi lançado em 1990 para uma variedade de plataformas, entre as quais as mais populares foram a Mega Drive e as máquinas arcade. Na sua época, ‘Moonwalker’ foi um dos raros videojogos bem-sucedidos inspirados por filmes e boa parte do seu sucesso deve-se ao carisma do protagonista e às suas músicas icónicas.

Em 1988, Michael Jackson contactou a Sega acerca do desenvolvimento de um videojogo que capturasse a sua personalidade. Sega e Jackson então começaram a trabalhar num jogo baseado no seu filme ‘Moonwalker’ e no videoclipe ‘Smooth Criminal’ lançado nesse ano. Com o conceito e design do jogo creditados ao “rei da pop”, o hardware foi desenvolvido no Sega System 18 a nível de programação e com a colaboração da Triumph International a cargo dos audiovisuais. O interesse pelo projecto levou a que várias plataformas lançassem as suas versões do jogo, com resultados muito distintos uns dos outros. As primeiras a chegarem ao mercado foram as dos computadores caseiros, como o Commodore Amiga ou o ZX Spectrum, e são as menos interessantes, com a vista de cima a tirar entusiasmo ao jogo.

A versão da Mega Drive, que também teve uma conversão simplificada para a Master System, coloca Michael Jackson através de vários níveis baseados em cenas dos seus videoclipes, como o bar de ‘Smooth Criminal’, a garagem de ‘Bad’ e o cemitério de ‘Thriller’. A ação desenrola-se lateralmente enquanto Michael enfrenta capangas do vilão Mr. Big e tenta resgatar crianças escondidas em vários locais como portas e arbustos. Ocasionalmente é possível obter uma estrela cadente e transformar-se num robô com armamento pesado por um tempo limitado, como no filme. Já nas máquinas arcade, a acção passa-se num ângulo isométrico que dá a impressão de 3D, a qual também dava a ideia de que os níveis eram maiores e conectados através de vários trechos. A "magia" de Michael é mais acentuada nos seus golpes e a transformação em robô não é algo que acontece raramente e sim o nível máximo obtido através de power-ups, uma vantagem desejada para poder enfrentar os inimigos com mísseis.

Michael Jackson foi um dos maiores artistas de sempre do mundo da música e sempre procurou explorar outros domínios da cultura pop. A chegada ao mundo dos videojogos deu-se com este jogo e estender-se-ia a vários outros depois disso. A primeira vez que tive conhecimento de ‘Moonwalker’ foi quando me saiu o cromo correspondente de uma colecção de capas de jogos das consolas Sega que vinham com o Bollycao. Desde 1993 até realmente experimentar o jogo (ou ver o filme em que se baseou) devem ter passado mais de duas décadas. Só o descobri através de um emulador e foi melhor do que o que esperava. A curiosidade já vinha bem de trás mas as expectativas eram baixas por temer que fosse demasiado ridículo… e a verdade é que é mesmo mas isso também faz parte do seu encanto. Com bons gráficos, boa música e uma mecânica de jogo interessante, os sorrisos vão para a forma como o jogo capturou os maneirismos e movimentos característicos de “MJ” e como estes são usados para dar cabo dos inimigos, incluindo obrigando-os a dançar antes de morrerem. Who’s bad?